sábado, 19 de março de 2011

O significado dos jogos infantis

O SIGNIFICADO E A EVOLUÇÃO DOS JOGOS INFANTIS



É possível e importante se avaliar o papel dos jogos no processo maturacional da criança pelo ao menos sob dois aspectos básicos, quais sejam, âmbitos afetivo e cognitivo, que, indiscutivelmente caminham juntos.

Na infância, o jogo tem um papel fundamental no desenvolvimento físico e psicológico: o jogo carrega em si significado próprio, uma finalidade psicológica enquanto presente na construção da própria individualidade (durante o jogo a pessoa se reconhece), e uma finalidade antropológica, enquanto presente no conhecimento, apropriação e transformação de uma cultura (resgata e se identifica com sua cultura). O jogo é uma forma de ação com valor simbólico e é essa significação, esse símbolo, que dá sentido à ação e reforma a motivação para o jogo, que possibilita ao homem recriar e redescobrir novas formas de ação.

Ele aparece durante todas as fases de desenvolvimento do homem e, em cada uma, com características próprias. Há uma estreita relação entre os processos de maturação, crescimento e desenvolvimento (afetivo, cognitivo e social) e o aparecimento de novos interesses e objetos de jogo.

Piaget propõe uma classificação genética dos jogos baseada na evolução das estruturas mentais:

1 - Jogos do Exercício - 0 a 1 ano

2 - Jogos Simbólicos - 2 a 7 anos

3 - Jogos de Regras - ápice aos 7 anos



JOGOS DE EXERCÍCIO

A principal característica do jogo nesta fase é o seu aspecto prazeroso. É agir para conseguir prazer - o prazer é o que traz significado para a ação. Por exemplo: o bebê mama exclusivamente não para sobreviver, mas também pelo prazer que mamar traz à medida que alivia um desconforto, um desprazer.

É através das sensações corporais, das experiências que vai conhecendo o mundo agradável ou não e aprende a controlá-lo.

Neste primeiro ano de vida, o bebê aprende novas estruturas, adquirindo novas ações, como apreender objetos com as mãos, engatinhar, andar, etc. Usa nessa fase sensório-motora a imitação para se adaptar à realidade e aprende novas ações (estruturas). Por exemplo: quando tenta, arrastando o corpo, chegar próximo a um objeto que quer (aprendendo a engatinhar), quando tenta o “bá-bá, dá-dá”, experimentando novas combinações de sons no esforço de imitar fonemas adultos.

O Jogo do Exercício não tem a finalidade da imitação; sua finalidade é divertir e servir como instrumento de realização do prazer em fazer funcionar, exercitar estruturas já aprendidas. Por exemplo: atirar várias vezes seguidas um objeto para fora do berço só pelo prazer de controlar seu movimento, pelo prazer de ver o objeto cair e alguém, pacientemente, apanhá-lo vezes sem fim; andar pela casa toda, por um período longo de tempo, pelo prazer de exercitar esta habilidade recentemente adquirida. O jogo dá a criança um sentimento de eficácia e poder.

O Jogo do Exercício aparece às vezes envolvendo funções superiores e também em outras fases da vida, inclusive na adulta.

Como no Jogo do Exercício não se tem a finalidade de novo aprendizado, jogá-lo satura logo, e como as aquisições de novos aprendizados são cada vez mais raras na vida, novas formas de jogo aparecem e o jogo do exercício tende a diminuir durante o desenvolvimento.

Nesta faixa de idade (0-1), onde aparece o Jogo do Exercício, é importante que a criança tenha espaço e liberdade, com segurança, para se movimentar e outras pessoas para se relacionar.



JOGOS SIMBÓLICOS



É a forma de jogo que prevalece de 1 a 7 anos, tendo sem ápice aos 4 anos de idade. No Jogo Simbólico há o prazer, a descoberta do significado, como no Jogo do Exercício, mas com o acréscimo do Símbolo. É o jogo do faz-de-conta, da representação fictícia, em que uma coisa simboliza outra. Por exemplo: um pedaço de pau representa uma espada, vestir uma capa lhe torna o próprio super-homem, a boneca é minha filha quando represento o papel de mãe.

O Jogo Simbólico é caracterizado por:

• Liberdade total de regras (a não ser as que a própria criança cria e modifica);

• Envolvimento da fantasia;

• Ausência de objetivo fora da atividade em si (brinco porque me dá prazer e quero e não para ganhar, como no Jogo de Regras);

• Muitas vezes sem relação com a realidade;

• Imprevisível no sentido de não ter uma sequência lógica para acontecer - a criança e suas fantasias é o que vão conduzi-lo.



No Jogo do Exercício a criança agia para se adaptar a realidade; aqui ela modifica e assimila a realidade para satisfação própria. Por exemplo: finge que come areia e diz que é bolo - a ação de comer é sensório-motora, mas há também a evocação simbólica - areia representa o bolo.

Na criança o Jogo Simbólico aprende convenções (por exemplo: imita o barulho do carro) e assimilações, criando significados. Ele estimula o pensamento sobre os objetos não existentes representados por estes símbolos. A criança exercita corpo e mente, e sem esse exercício seu pensamento pode permanecer superficial e pouco desenvolvido.

Pela existência de simbolismo a criança pode, no Jogo Simbólico, viver o que na vida não pode viver (ser um super-homem); pode tentar entender coisas que não conseguiu entender na realidade (a vinda de um irmão); pode lidar com situações que foram penosas (tomar uma injeção); pode antecipar as consequências de sua desobediência a uma ordem de sua mãe (diz à boneca o que fará se esta a desobedecer); pode lidar simbolicamente com problemas que não foram resolvidos no passado e enfrentar direta ou simbolicamente questões do presente; pode fazer uma antecipação mais generalizada de tornar-se adulto ou viver um papel de adulto.

Através do Jogo Simbólico a criança pode fazer tudo isso, pode vivenciar, analisar, criticar de forma prazerosa, pois não há os riscos da realidade; aqui tudo é fictício.

Podemos também compreender como a criança vê e constrói o mundo, como ela gostaria que fosse; quais as preocupações, ansiedades, medos, quais os problemas que não conseguiu elaborar de forma adequada. Quando ela escolhe determinada brincadeira é motivada por alguns processos íntimos, desejos, ansiedades, que estão em sua mente. Ela exprime e lida com seus sentimentos e pensamentos brincando e fantasiando.

Para a criança pequena, a linha que divide a fantasia da realidade é muito tênue. Através do Jogo Simbólico, a criança modifica a realidade para poder assimilá-la ao seu “Eu” e, ao mesmo tempo suas fantasias são modificadas devido às limitações da realidade. Exemplo: a criança está aborrecida com alguém e fantasia que está cortando fora a cabeça da pessoa. Isso, na fantasia, não tem importância, pois no movimento seguinte, colará a cabeça de novo, mas na realidade as coisas são diferentes. Ela terá isso claro quando sua fantasia vai além da realidade e arranca a cabeça do seu boneco de estimação. Ela está submetendo sua fantasia à realidade e terá que recolocar a cabeça de volta no boneco e às vezes não é tão fácil ou possível. Com isso suas fantasias vingativas mudam aos poucos, pois seus desejos fantasiosos são moderados diante da realidade.

Dominar esses dois mundos (interno e externo) e integrá-lo de forma harmoniosa são o que a criança se esforça por fazer no Jogo Simbólico. A harmonia entre seu desejo interno e as limitações da realidade acarreta respeito às exigências de ambos, trazendo benefícios para si e para os outros. Durante o período de 1 a 7 anos, o Jogo Simbólico vai mudando algumas características, acompanhando o desenvolvimento da criança.

No início do Jogo Simbólico a própria faz a ação, não a atribuindo a outros. Por exemplo: a própria criança faz de conta que come, dorme, chora. Também não delega a objetos atividades de outros, como, por exemplo, não usa uma vassoura como cavalo. Aqui é o próprio comportamento, a própria conduta, que é o símbolo.

Numa fase seguinte, a criança fará dormir, comer, ir e vir outros objetos que não ela própria, transformando simbolicamente um objeto em outro. Aparece então o personagem fictício, cuja função é servir de ouvinte compreensivo ou espelho do “Eu”. O que para o adulto seria o pensamento interior, para a criança seria o personagem imaginário.

Dos 4 aos 7 anos, o Símbolo vai perdendo o seu caráter de deformação lúdica da realidade para se aproximar cada vez mais de uma representação imitativa da realidade: as crianças elaboram cenas mais longas e com uma ordem mais coerente, preocupam-se com as construções materiais que acompanham o Jogo Simbólico (por exemplo: a casa tem que ter paredes, telhado, portas); iniciam o Simbolismo Coletivo, isto é, as crianças, em grupo, fazem diferenciação e ajustamentos de papéis durante o Jogo.

Isto é possível pela crescente socialização e desenvolvimento da linguagem. Aos 7-8 anos, aos 11-12 anos, o Jogo Simbólico declina, dando lugar aos Jogos de Regras e às construções adaptativas da realidade. Seus desenhos e construções estão cada vez mais adaptados ao real e marcam o “coroamento final do simbolismo lúdico”.

Durante este período (1-2 aos 7 anos), é fundamental propiciar às crianças oportunidades livres, variadas e que favoreçam opções de escolha e manipulação de materiais, como: materiais básicos de casinha (bonecos e bonecas, panelas, fogão, panos, telefone, carrinho de boneca, berço, talheres, pratos, mamadeiras), carrinhos de plástico e de madeira, blocos de madeira e de encaixe, sucata, fantasias, roupas e acessórios de adulto, espelho.

É importante não nos esquecermos de que a criança deve brincar do que quer e como quer, dentro de regras sociais e de convívio.



JOGOS DE REGRAS

No Jogo de Regras há também o lúdico, o prazer e o símbolo, mas limitados no espaço e no tempo. Há o combinado, e as regras que dão os limites: números de jogadores, ausência de repetições, ganhador, etc. As regras supõem relações sociais e interindividuais e uma ideia de obrigação, que supõe pelo menos dois indivíduos. Começa a aparecer aos 4 anos, tem seu apogeu na fase dos 7 aos 11 anos, se desenvolvendo e permanecendo durante a vida adulta, pois ele é a “atividade lúdica do ser socializado”.

Um jogo de regras propõe uma situação - problema (o objetivo do jogo deve ser claro para o jogador) que o jogador resolve ou não (resultado do jogo), existindo uma competição entre os jogadores (intenções opostas e, por isso, a existência das regras) e determinando os limites dentro dos quais o objetivo do jogo e o resultado (em função deste objetivo) serão considerados. As regras têm que especificar:

• Objetivo (s) a ser alcançado, por exemplo, num jogo de esconde - esconde, seria achar / não ser achado;

• O que o jogador deveria tentar fazer em papéis que são interdependentes, opostos e cooperativos.

Os adultos devem estimular a participação das crianças na elaboração e no cumprimento das regras em jogos competitivos, pois isso as ajudará no desenvolvimento da capacidade de pensar de modo ativo; a serem cada vez mais capazes de elaborar regras justas e eficientes para si mesma; a se comandarem bem em grupo, desenvolvendo-se socialmente e intelectualmente, lidando com aspectos sociais, políticos, morais e emocionais. O jogo, para ser considerado de Regras necessita ter:•.

• Um objetivo claro a ser alcançado;

• A existência de regras;

• Intenções opostas;

• Possibilidades de se levantar estratégias.

Levantar estratégias, construir meios que ajudem a alcançar o objetivo e analisar seus erros e jogadas, são excelentes instrumentos de desenvolvimento de inteligência na resolução de problemas para a criança.

Em cada jogada o jogador deve pensar em diferentes possibilidades de ação e aquelas que o prejudicam na conquista de seus objetivos devem ser eliminadas.

Ao realizar tais raciocínios, a criança é obrigada a pensar como seu adversário deve estar pensando, como deve armar e antecipar jogadas futuras e estar constantemente replanejando-as em função das jogadas do adversário. Além disso, em muitos Jogos de Regras o tempo, a rapidez no raciocínio e na ação é fundamental. O espaço também é um fator importante, pois muitas jogadas têm que ser feitas em espaços restritos limitados pelas próprias regras.

Enquanto jogam em grupo, as crianças têm oportunidade de trocar opiniões, confrontarem-se em situações de trapaça e desacordo, corrigirem-se mutuamente, entrar em contato com o modo de pensar e de agir de outros, tentando coordenar diferentes pontos de vista. Essa troca de ideias propicia a independência da autoridade do adulto contribuindo para o desenvolvimento da autonomia e lógica da criança. O adulto pode incentivar isso no momento em que permite que ela própria mude as regras do jogo, adequando-as ao modo como ela pensa e deseja, tornando-as mais significativas, ou quando ele próprio, como jogador, dá ideias que podem ou não serem aceitas. As crianças são muito criativas em inventar jogos e modificar os que ficaram muito fáceis ou não desafiantes para elas.

O jogo provoca conflito e o conflito provoca raciocínio. Esta é a maior qualidade dos jogos. Sua utilização é então muito maior do que ser um instrumento para motivar o aprendizado de conteúdos curriculares; ele desenvolve as habilidades de pensamento como a observação, a comparação, a dedução e principalmente, o raciocínio necessário para o ato de aprender, de aprender qualquer coisa na vida, inclusive valores como respeito, cooperação, fidelidade, justiça, etc. O jogo não vai facilitar o aprendizado, ele faz o aprendizado paulatinamente.

Com relação à competição, podemos analisar o enfoque que deve ser dado ao jogo, não considerando a competição como um anti-valor em situações de Jogos de Regras. A competição na sociedade é uma presença constante quando se busca algo que tenha um valor intrínseco e imediato para aquele que compete (prêmio, brinquedo, dinheiro, privilégio). Os jogadores tentam se eliminar permanentemente e não concordam ou nem são consultados sobre as regras antes de entrarem na competição, ou se querem ou não jogar.

No Jogo de Regras, ao contrário, o jogador deve ter o direito de escolher se quer ou não jogar, participar da elaboração das regras e/ou conhecer e concordar de antemão com as regras que norteiam o jogo; junto com os outros jogadores, ser responsável pela manutenção ou alteração dessas regras; não há ganho material ou de valor extrínseco ao jogo. O jogador desonesto é constantemente rejeitado pelo grupo e não tendo chance de competir.

No jogo, o jogador compara o seu desempenho com o do adversário, e perder tem o significado de que seu desempenho precisa melhorar para estar à altura do adversário. É só por volta dos 5/6 anos que começa a se manifestar na criança essa comparação de desempenho. Antes ela só estava preocupada com o seu próprio, sem interesse em compará-lo com o dos outros, e para ela ganhar é igual a divertimento: fazendo aquilo que estava previsto para ser feito (regras). A habilidade para competir em jogos em grupo, isto é, comparar desempenhos e tentar superar o adversário é desenvolvido com a maturidade e não sendo um traço de personalidade ou fruto apenas do meio (em sociedades não competitivas também aparece).

O perder só será incômodo para o jogador se for considerado fracasso, e aí o papel fundamental do adulto em lidar com o ganhar e o perder com as crianças: o ganhar tem que ser considerado igual nada mais do que ganhar; perder é apenas uma das possibilidades que tem de aceitar para poder jogar. Perder faz parte do jogo, e a pessoa deve passar pela experiência de perder e suportar a perda. Como no jogo a pessoa mostra de forma mais intensa o que ela realmente é, se expondo, saber perder nem sempre é fácil. O adulto deve respeitar a criança com essa dificuldade, não forçando o enfretamento de situações com as quais ela ainda não pode lidar favoravelmente. Uma opção é deixá-la apenas observando e, com crianças que tem maiores dificuldades na destreza física ou habilidade em pensar, oferecer também jogos de sorte, onde terá chances de vitória.

Quando um jogador sempre perde o jogo, é necessário analisar dois pontos: ou o jogo está muito complicado para ele, ou o seu parceiro é muito bom em relação a ele. A criança deve jogar jogos compatíveis com seu desenvolvimento. Quando domina as situações propostas pelo jogo, quer outro jogo, com outros segredos para dominar.

A melhor maneira, portanto, de lidar com a competição em Jogos de Regras é desenvolver na criança, desde o início, uma atitude saudável e natural em relação à vitória e à derrota. Kamil em seu livro Jogos em Grupos na Educação Infantil classifica os jogos em 8 tipos, segundo as duas ações que podem ser exercidas pelos jogadores: a participação paralela (todos os jogadores fazem as mesmas coisas, e a ação de um não interfere diretamente na ação do outro, como nos de corrida) e os de participação complementar (os jogadores têm ações diferentes, e a ação de um completa a ação do outro, como o Pega-Pega - um persegue e o outro foge). São os seguintes:

• Jogos de Alvo

• Jogos de Corrida

• Jogos de Perseguição

• Jogos de Esconder

• Jogos de Adivinhações

• Jogos de Comandos Verbais

• Jogos de Cartas

• Jogos de Tabuleiro



Alguns jogos não se encaixam perfeitamente nessa classificação ou são combinações de vários tipos.



OUTROS ASPECTOS DOS JOGOS E BRINQUEDOS



* A estimulação ao bebê - A criança nasce com um conjunto inicial de reflexos (alimentares, posturais, defensivos), sobre os quais vão se estabelecendo os processos corticais que formam a base progressiva da construção do real. Ao brincar com o recém-nascido, o adulto lhe proporciona estímulos que provocarão reações sensoriais e ações reflexas importantes. Com a reação a cada estímulo, o cérebro de um bebê tem a oportunidade de acumular experiência para sua aprendizagem futura. Por outro lado o brinquedo que a mamãe dá ao bebê vem preencher o espaço “transicional” entre o corpo da criança e sua mãe. Assim, os primeiros brinquedos tornam-se substitutos do corpo ou de partes do corpo materno (por exemplo, seio no caso da chupeta), trazendo à criança satisfações libidinais, sendo fontes de prazer auto erótico.





BIBLIOGRAFIA:



KAMIL, Constance; DEVRIES, Rheta. Jogo em Grupo na Educação Infantil - Implicações da teoria de Piaget. São Paulo: Trajetória Cultural, 1991.

KLEIN, Melanie. A educação de crianças à luz da investigação psicanalítica. Rio de Janeiro: Imago, 1973.

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro, Zahar: 1978.

Um comentário:

  1. amei o post, vou indicar os meus colegas de equipe no colegio zona norte sp, excelente, vai nos ajudar demais

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